segunda-feira, 25 de junho de 2012

A estatização da Repsol na Argentina

( MICHAEL DE ARAUJO SIQUEIRA)
  A crise européia contribuiu para deixar fragilizada a empresa da Repsol, sofrendo com a situação da economia espanhola, sendo obrigada a a recupear resultados mediante o aumento das remessas de lucros para os investidores espanhóis. Assim, com a diminuição da  produção de petróleo na Argentina, e com o aumento das importações para o país, e com o preço do barril continuava elevado, também em consequência da especulação financeira nos mercados de commodities, a crise Argentina parecia decretada. Enquanto os preços internacionais do barril giravam em torno de U$ 100, o governo argentino fixou o teto interno de U$ 66, estimulando que a empresa espanhola diminuísse ainda mais a produção de petróleo.

Esta situação estimulou que o governo argentino “desapropriasse” a Repsol, por decisão da presidenta Cristina de Kichner, no dia 16 de abril do de 2012, nacionalizando 51% das ações da petrolífera YPF, pertencentes à Espanhola Repsol. Uma iniciativa que gerou um conflito diplomático entre os dois países, Espanha e Argentina, uma vez que a estatal petrolífera YPF (Yacimientos Petrolíferos Fiscales), fundada em 1922, havia sido privatizada e vendida à gigante espanhola do setor de energia Repsol em 1999, em plena “queima” total das estatais argentinas.

Em 1992, a própria Cristina Kirchner havia defendido a privatização da YPF, na época em que era deputada pela província de Santa Cruz. Segundo os jornais La Vanguardia e La Nación, a privatização da empresa foi iniciada em dezembro de 1990 com um decreto que convertia a empresa estatal em uma sociedade anônima. Na época, o presidente era Carlos Menem. Kirchner defendeu, então, a aprovação da lei visando a entrega para Santa Cruz de US$ 480 milhões.

Depois de dezessete anos, pela primeira vez em 2010, a Argentina foi obrigada a importar gás e petróleo, gerando uma redução no saldo comercial. A opção por empresas energéticas estatais é bastatnte comum, como ilustram os casos do Brasil (Petrobrás), México (Pemex), Colômbia (Ecopetrol), Venezuela (Pedevesa) e Bolívia - que possuem suas empresas petrolíferas estatizadas. No Brasil, o Estado tem 51% (das ações) da Petrobras.

 Cristina Kirchner enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei de recompra compulsória das ações que a Repsol detém no controle da YPF que será analisado em plenário formado pelas comissões de Assuntos Constitucionais, de Orçamento e Fazenda e de Mineração, Energia e Combustíveis. Como ela mesma definiu em uma movimentada coletiva à imprensa internacional, “não se trata de estatização, mas sim da recuperação da soberania hidrocarburífera da república Argentina”. A operação planejada pelo governo, não expropria nenhum grupo econômico privado nacional, que continuam a ter incólumes cerca de 30% das ações da YPF, tampouco confisca a Repsol que será remunerada pelas suas ações nos marcos estabelecidos pelos preços do mercado internacional.

Do ponto de vista político, esta medida é louvável, pois é um conflito real contra os capitais imperialistas. Isto é positivo, pois cria outro patamar na luta internacional dos países periféricos contra os capitalistas dos países de centro. Luta legítima e benéfica para o povo argentino, pois retira o ônus de ter de enviar um excedente para a Espanha, que imputa uma sobrecarga na economia dos argentinos, e na exploração de seu povo. Bem como, na reconfiguração mundial, tirando força econômica da política de subordinar países periféricos, o que sempre se baseou numa intervenção econômica, que gerava lucros para capitais de centro.

 Mas engana-se redondamente quem pensa que a recompra da YPF representaria apenas uma manobra “eleitoral” de demagogia nacionalista, a Argentina tem um enorme potencial em reservas de petróleo e gás natural, estima-se que detenha o segundo maior manancial ainda não explorado de gás de toda a América e o terceiro do planeta. Recentemente foi descoberta a jazida petrolífera de “Vaca Muerta”, no sopé dos Andes, o que poderá multiplicar por oito a produção de hidrocarburetos do país. Acontece que pelo intenso processo de sucateamento vivido pela YPF nos últimos quatro anos, a Argentina perdeu sua autossuficiência histórica em petróleo, atingida bem antes mesmo do Brasil.

O anúncio da nacionalização era esperado e já tinha gerado forte reação das autoridades da Espanha. O partido governista disse que o governo responderá à medida argentina e que a Espanha terá o apoio dos países europeus. A Comissão Europeia já havia afirmado na última semana que tem o dever de defender os investimentos realizados pelos países do grupo no exterior.

 O presidente da petrolífera anunciou que recorrerá à Justiça internacional e exigirá uma compensação "justa" pelas ações de expropriação, pelo menos da mesma quantia que corresponderia aos acionistas de acordo com a lei e que a companhia calcula em US$ 46,55 por ação, o que avaliaria a YPF em US$ 18,3 bilhões.

A mídia internacional já especula um tipo de punição aos argentinos. Acredita-se que os investidores passariam a ter receio de investir no país, isolando o mesmo economicamente, vale ressaltar que estes investidores são os mesmos que quebraram meio mundo, especulando nas bolsas, além deles não serem tão mais fortes.

A Argentina terá dificuldades em atrair investidores para explorar seus campos de xisto, que contêm estimados 22 bilhões de barris de petróleo equivalentes, após ter revogado as licenças da YPF e da Petrobras devido a uma desavença sobre investimentos.

 O governo argentino não dispõe do capital para explorar sozinho as reservas, disse Jason Kenney, analista do Banco Santander SA, em Edimburgo, numa entrevista por telefone.

 “A Argentina necessita que alguém invista em suas reservas energéticas, tanto convencionais como na oportunidade proporcionada pelo xisto”, disse Kenney. “Quanto mais tempo isso se prolongar, menor será a chance de alguém fazer alguma coisa na Argentina.”

 A exploração dos recursos naturais no campo de Vaca Muerta, na Província de Neuquén, é de “fundamental importância” para que o país revitalize sua centenária indústria de petróleo e gás, disse a YPF em fevereiro, ao anunciar a descoberta. O país poderá dobrar sua produção em uma década, investindo US$ 25 bilhões por ano para explorar os campos.

 “Nenhuma das grandes companhias petrolíferas gostaria de entrar num campo expropriado de outra grande petroleira”, disse Peter Hutton, analista da RBC Capital Markets, de Londres. “O xisto está no radar de todo mundo, mas há incertezas, no momento.”

 O que vai ser do dissídio entre Buenos Aires e Madri exigirá muito da diplomacia dos dois países e dos aliados. Certamente o Itamaraty tem um papel a desempenhar no bastidor. Empresas e bancos espanhóis têm forte presença no Brasil e na Argentina. Kirchner talvez peça a ajuda da colega Dilma Rousseff, se o primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, envolver a União Europeia para retaliar a Argentina.

  O que fica muito claro neste caso é que, uma atitude unilateral de um país, nesse mundo globalizado, interfere na economia de vários outros países, mesmo que, aparentemente, não possuam relações diretas com o fato.

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